Quando não se conhecem, duas pessoas são dois estranhos. Quando passam a conhecer-se, deixam de ser estranhos e começam a ser familiares, uma para a outra. E quando se reconhecem uma na outra são uma família. Mas há alturas em que duas pessoas, que são familiares, deixam de se reconhecer, mutuamente, e se vão desconhecendo, devagarinho. Na verdade, não passam a ser estranhas. Mas tornam-se desconhecidas. Porque, de cada vez que as conhecemos melhor, nos reconhecemos menos nelas. E a aceitação da sua presença, junto de nós, como se fossem da família, torna-nos desconhecidos de nós mesmos.
As pessoas da família não são pessoas que se conhecem bem. São pessoas que se reconhecem; como mais ninguém! Reconhecer, de conhecer mais e melhor. Reconhecer, de gostarmos mais delas sempre que as conhecemos melhor. E reconhecer, de estarmos agradecidos por fazerem parte de nós. É por isso que reconhecer e estarmos gratos é quase a mesma coisa. Porque sem as pessoas da família, dentro de nós, nunca seríamos quem somos. Que seria uma forma de sermos estranhos, para nós próprios, e desconhecidos de nós mesmos. Tudo ao mesmo tempo. Ou um jeito de estarmos à porta do céu. Sem se deixar de deambular por uma “terra de ninguém”.
Uma família não é o lugar das pessoas que se conhecem. É o sítio das pessoas que, de cada vez que se conhecem melhor, se gostam mais de conhecer. Por isso mesmo, a família é o lugar das pessoas que se reconhecem! Vendo bem, se quando duas pessoas se reconhecem uma na outra nasce uma família, quando várias pessoas se reconhecem, mutuamente (e são gratas por isso) torna-se Natal.
Eduardo Sá