A rotina faz parte das famílias. É muito usual ouvirmos dizer que devemos fugir dela, mas não é fácil. Somos seres de hábitos, precisamos de hábitos e os hábitos criam-se. A rotina não tem de ser uma coisa necessariamente má. Uma forma de ganhar a este bicho assustador de 7 cabeças é dar valor aos pequenos momentos que ela nos oferece, por mais simples e imperfeitos que estes sejam. Muitas vezes, são essas imperfeições que tornam esses momentos mais saborosos.
Já lhe aconteceu fazer planos para ir ao restaurante do costume mas este estar cheio, obrigando-o a procurar uma alternativa que acaba por se revelar muito melhor? Foi um azar que se transformou em sorte. Uma imperfeição que tornou aquele momento, aquela refeição tão simples, muito mais saborosa… literalmente! E quando os pequeninos entram na missão (impossível) de comer um chocolate ou um gelado pela primeira vez sozinhos e a mãe olha aterrorizada e já só consegue pensar como vai tirar aquela nódoa da camisola. É um momento tão simples que nada tem de perfeito, mas que despoleta um sorriso de orelha a orelha e que vai deixar, de certeza, uma boa recordação. Tanto como aquele dia em que o mini chef lá de casa se aventurou na cozinha para surpreender o pai com um bolo de aniversário e este acaba a soprar as velas numa bolacha que havia lá por casa. O ideal seria o pai ter um bolo enorme, perfeito e cheio de sabor, mas saboroso ficou esse momento imperfeito pelos erros perfeitamente naturais de uma criança.
E os jantares de domingo, de aniversário, de Natal, de Páscoa ou de outra qualquer boa ocasião em que a família se reúne? Recheados desses momentos! O avô que adormece a meio da refeição e os netos decidem fazer-lhe uma partida, o tio que conta aquelas anedotas constrangedoras que não têm graça nenhuma mas que deixam a família toda a rir, ou até mesmo a tia que tem uma gargalhada tão mas tão irritante que acaba por ser engraçada. O próprio stress dos anfitriões para ter tudo perfeito nestes jantares pode tornar-se um motivo de riso: um tacho a cair, um copo a partir-se, um ingrediente que falta, são tudo pormenores muito pouco relevantes quando estamos juntos mas são essas imperfeições que fizeram desses momentos em família mais saborosos.
E é muito isto. Estes momentos “saborosamente” imperfeitos são muito isto. E sabemos que foi ‘saboroso’ quando ainda nos recordamos deles passados vários anos e não conseguimos conter um sorriso genuíno. Aí percebemos que um momento em família imperfeito pode ter mais sabor do que uma situação em que correu tudo na perfeição. As famílias perfeitas não existem, a perfeição não existe. E se existisse, tinha piada?