Num mundo cada vez mais dominado pelas máquinas, o dia-a-dia da criança é invadido pela tecnologia de uma forma crescente. Hoje, em todos os lares portugueses há uma televisão e em mais de 90% um computador. Para além disso, existe ainda em casa a consola de jogos, os tablets e os inevitáveis telemóveis.
À medida que a criança cresce a televisão vai perdendo importância e a partir dos 10 anos de idade é o computador e a internet que dominam a sua atenção. Na idade pré-escolar um terço das crianças já utiliza a internet e este valor vai aumentando até chegar aos 100% por volta dos 12 anos de idade. Se a maioria das crianças utiliza a net como ajuda nos trabalhos escolares, grande parte usa-a para jogar ou simplesmente para participar em chats e similares ou para fazer downloads de música e filmes.
O telemóvel tornou-se “imprescindível” e aos 8 anos de idade a maioria das crianças portuguesas já possui um. Estar “em contacto” tornou-se uma necessidade, através da voz, sms ou vídeo.
A música passou a fazer parte do dia-a-dia da criança, sempre de auscultadores presos ao telemóvel ou ao computador, ouvindo música a toda a hora, inclusive durante a realização de outras tarefas, como os trabalhos de casa. A actividade preferida é mesmo ter a televisão ligada enquanto se “conversa” num grupo social e se tem os auriculares nos ouvidos. Se a isto se juntar o envio em simultâneo de alguns WhatsApps a criança sente-se perto da realização completa.
O quarto da criança transformou-se numa central de media e quase 50% das crianças portuguesas tem nessa divisão uma televisão, e mais de um terço um computador com acesso à internet. O número de aparelhos no quarto aumenta paralelamente com a idade e aos 8 anos as crianças têm ao seu dispor cerca de 8 media diferentes no quarto.
Como se não bastasse, a criança quando sai para a rua parece uma central tecnológica ambulante, com o seu telemóvel, tablet e consola de jogos portátil.
Numa semana, uma criança ocupa cerca de 40 horas aos media, deixando para segunda linha os deveres escolares, o exercício físico ou simplesmente brincar e conversar com os pais ou com os irmãos, e esta tendência agrava-se com a idade.
A inevitabilidade da utilização destas novas tecnologias é evidente e até certo ponto saudável e desejável. A sua existência veio tornar muitos aspectos da vida das nossas crianças mais atractivos ou mais fáceis.
As questões principais estão no quanto e no como. É importante que a utilização de toda esta parafernália não provoque o isolamento da criança. Quando ela se isola a ver televisão, na internet ou agarrada ao Youtube, desaparecem as relações interpessoais, diminui a importância dos afectos e surgem sintomas depressivos. Brincar, no sentido mais clássico do termo, assim como conversar com os amigos, irmãos ou pais, deve estar sempre presente na vida da criança, e os pais devem retrair um pouco a maravilhosa tentação de utilizar estas “amas electrónicas” para cuidar e entreter os seus filhos. Num mundo cada vez mais dominado pelo “eu” e pela satisfação imediata das necessidades de cada um, os valores estão distorcidos e o valor de cada um não é determinado pelos seus valores enquanto pessoa, mas pelo número de “likes” que consegue num determinado comentário ou fotografia. Saber saborear a vida, com calma, tranquilidade e na companhia dos outros, deve ser a prioridade que os pais devem transmitir aos seus filhos.
Daí a necessidade de existirem regras, simples e claras, sobre a utilização dos diferentes media. E, como sempre, o exemplo deve vir de cima, isto é, dos pais. O lugar da televisão é na sala e nunca no quarto ou na zona de refeições. Da mesma forma que ter a televisão sempre ligada deveria ser considerado um crime ambiental. O lugar do computador deve ser público e acessível a todos dentro de casa, e não no quarto da criança, onde a supervisão é nula, e a utilização de filtros para acesso a determinados sites é fundamental.
Em relação a todos estes media, os pais devem elaborar regras sobre os horários em que as crianças os podem utilizar, quantas horas por dia ou semana podem despender na sua utilização e quais os conteúdos permitidos ou não permitidos, nomeadamente no que diz respeito a programas de televisão ou sites da internet. Estas regras deverão ir sendo negociadas à medida que a criança cresce e ser adaptadas ao grau de desenvolvimento de cada uma.
Paulo Oom